Considerado um dos maiores desastres ambientais provocados pela indústria da mineração no Brasil, a ruptura da represa de Fundão, em Minas Gerais, despertou a atenção, dentro e fora do país, sobre segurança nos empreendimentos que exploram recursos naturais. Afinal de contas, há controle sobre isto?
Desde o dia 5 de novembro, quando sessenta bilhões de litros de rejeitos de mineração de ferro foram despejados na bacia do rio Doce, a quinta maior do país, começou o empurra-empurra de responsabilidades, que em nada tem resolvido o problema dos desalojados e demais afetados, sem mencionar os desaparecidos e mortos. E pior, está confirmada a possibilidade de novos rompimentos, já que segundo a vistoria de técnicos da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), pelo menos 48 barragens de mineradoras não têm estabilidade garantida, entre as 450 em atividade em Minas Gerais.
O que causa maior perplexidade é o fato de o desastre ter ocorrido mesmo após a criação da Política Nacional de Segurança de Barragens, advento da Lei nº 12.334/2010, que estabeleceu diretrizes para prevenção, alerta, monitoramento e contenção de acidentes. Agora, as comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de Legislação Participativa, de Fiscalização Financeira e Controle, e de Direitos Humanos e Minorias se reúnem para discutir causas, efeitos, providências e lições aprendidas com o ocorrido, para determinações futuras. Ou seja, choram sobre o leite derramado... Ou melhor, sobre a lama.
Para o geógrafo e advogado especializado na área ambiental, Eduardo Bastos Moreira Lima, "esta circunstância expôs definitivamente a fragilidade da cadeia de comando e do processo de controle dos órgãos públicos fiscalizadores, que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Ibama, Sisnama, ANA, Aneel, DNPM, entre outros)".
No momento, além de não sabermos como esta situação será resolvida, todos se perguntam sobre a possibilidade de novos desastres, já que, com a valorização dos commodities minerais no início do século XXI, o Brasil despertou um enorme fluxo de investimentos em pesquisa e exploração mineral. Recursos de alto risco passaram a atrair ambiciosos projetos nacionais e internacionais. Por outro lado, enquanto Austrália e Canadá têm cerca de 80% de seu território geologicamente mapeado, por exemplo, no Brasil esse percentual é de apenas 20%, o que evidencia as possibilidades de descoberta de novas áreas produtoras.
SANTA CATARINA
E se o desastre ambiental tivesse acontecido em nosso estado? Cerca de 10% do fosfato explorável no país está localizado em um grupo de montanhas no interior do estado. Para extrair a matéria-prima e transformá-la em fertilizante, duas multinacionais tentam instalar, desde 2005, uma mineradora e uma fábrica em Anitápolis, a cerca de 90 km da capital. As empresas multinacionais Bunge (EUA) e Yara (Noruega) criaram o projeto Anitápolis para explorar a jazida de fosfato localizada no Vale do Rio Pinheiro.
O projeto prevê a abertura de uma mina de fosfato a céu aberto na região e a construção de uma fábrica de fertilizante SSP (Superfosfato Simples). Anitápolis é uma cidade situada na subida da Serra catarinense, perto de Rancho Queimado, Angelina, São Bonifácio e Santo Amaro da Imperatriz. Trata-se de uma região montanhosa, reduto do pouco que resta da Mata Atlântica, onde vários alfuentes dos rios mais importantes do Estado têm suas nascentes.
Para viabilizar o empreendimento, que seria explorado por 30 anos, será necessário desmatar cerca de 300 hectares de Mata Atlântica – algo similar a 550 vezes o tamanho do Maracanã –; serão construídas duas barragens no Rio Pinheiros para a bacia de rejeitos, com cerca de 90 metros de altura cada; deve ser erguida uma linha de transmissão de energia elétrica com 46 km de extensão, cujo trajeto interferirá em 100 hectares de mata nativa e área agrícola; será necessária uma grande demanda de recursos hídricos (consumo previsto de 885,6m3/h), o que afetará a disponibilidade de água na região; sem mencionar que o tráfego de substâncias perigosas, como o enxofre, será diário entre o Porto de Imbituba e Anitápolis. Ou seja, para a implantação da Indústria de Fosfatados Catarinense (IFC), a mata nativa daria lugar a uma mina a céu aberto, muitas espécies seriam expulsas de seu habitat e o empreendimento seria edificado na área da bacia hidrográfica do rio dos Pinheiros, que faz parte da bacia hidrográfica do rio Braço do Norte, formada por 19 rios nos municípios de Anitápolis, Santa Rosa de Lima, Rio Fortuna, Grão Pará, Braço do Norte e São Ludgero.
Considerando que a maior parte dos moradores destes municípios vive do agronegócio; que a barragem de rejeitos pode contaminar a água; que os habitantes estariam expostos a substâncias químicas, como o ácido sulfúrico; e que a própria Fundação do Meio Ambiente (Fatma) emitiu um documento comprovando que "tecnicamente é possível alegar que a obra de engenharia representa riscos ao meio ambiente", a Associação Montanha Viva protocolou uma ação no judiciário solicitando a anulação da Licença Ambiental Prévia, emitida em 2009. "Desde então, batalhamos ao lado de entidades conscientes e da sociedade civil organizada pela não operação da empresa na região", enfatiza o advogado da instituição, Eduardo Bastos Moreira Lima.
PERDAS IMENSURÁVEIS
E se a fosfateira estivesse em operação em Anitápolis? E se 1.760 hectares de terras catarinenses estivessem comprometidos com a mineradora, bacia de rejeitos, área industrial e depósito de estéril? E se Santa Catarina estivesse produzindo 200 mil toneladas de ácido sulfúrico por ano? Os órgãos ambientais estaduais e a instituição licenciadora, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), estariam aptos a controlarem as consequências de uma possível catástrofe ambiental?
Nas cidades de Minas Gerais e Espírito Santo, atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, grande parte do ecossistema local foi destruída imediatamente, o abastecimento de água foi suspenso para mais de 500 mil pessoas, rios e riachos foram assoreados, o deserto de lama que se formou demorará dezenas de anos para secar, a reconstituição do solo pode levar até centenas de anos, a biodiversidade local pode jamais ser reconstituída em sua totalidade, espécies de animais e plantas endêmicas (que existem apenas naquela região) podem ser extintas.
RECURSOS NATURAIS
Minas Gerais foi o estado campeão em desmatamento em 2014, pelo quinto ano consecutivo, segundo o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, produzido pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Na quinta colocação nacional está Santa Catarina, com perda de 6,72 km² de mata. No entanto, esta estatística já foi muito pior. Entre 2000 e 2005, Santa Catarina foi o estado que mais desmatou no país e esteve em segundo lugar entre 2005 e 2008. Desde 1985, quando o levantamento começou a ser feito, o estado perdeu 2.818,78 km².
Santa Catarina é o maior produtor de carvão mineral do país, com quase 47% do total nacional. O extrativismo de carvão mineral é predominante nas áreas de baixada litorânea, como em Urussanga, Criciúma, Lauro Müller e Tubarão. Os segmentos carbonífero e cerâmico têm mais de duas mil empresas e representam 5,8% das exportações. Nossas indústrias de cerâmica produzem 60% do total brasileiro de pisos e revestimentos. Santa Catarina possui, ainda, as maiores reservas nacionais de fluorita e sílex. Recursos minerais como os depósitos de quartzo, bauxita e pedras semipreciosas, além de petróleo e gás natural, também estão entre as principais matérias-primas do estado.
Entretanto, e se este potencial natural, explorado de maneira equivocada, colocasse em risco o nosso bem mais preciso? Nossos representantes estão dispostos a comprometerem interesses políticos e econômicos para preservar a vida? E o que você tem feito a respeito?
Confira essa matéria feita em Agosto pela Unisul TV sobre o assunto:
› FONTE: Batata!Comunicação Criativa, Floripa News e UnisulTV