Estudo de ONG contabiliza oito mortes nas 696 manifestações que levaram milhões às ruas do país por melhores serviços públicos. Entidade aponta detenções arbitrárias, violações à liberdade de expressão e tentativas de censurar novos protestos na Copa.
Não foi por um preço barato que as “jornadas de junho” do ano passado levaram milhões de brasileiros às ruas de todo o país por melhores condições de educação, saúde e transporte. Nada menos que 2.608 pessoas foram presas, parte dela de forma arbitrária, e oito morreram nas 696 manifestações realizadas, segundo estudo da ONG Artigo 19 a ser lançado nesta segunda-feira (2). Além das prisões sem fundamento, entidade aponta iniciativas de projetos de lei que tentam censurar a liberdade de expressão da população com o alegado objetivo de inibir a violência, um dos componentes de parte dos protestos do ano passado.
No período, 117 jornalistas foram feridos ou agredidos de acordo com a ONG. Outros 10 profissionais de imprensa foram detidos enquanto realizavam o trabalho de reportar os fatos nas manifestações.
No estudo “Protestos no Brasil 2013”, a ONG avaliou os principais abusos cometidos por policiais supostamente para reprimir a violência de alguns manifestantes, além das prisões arbitrárias. Uma das principais é a ausência de identificação ostensiva dos policiais, medida preventiva para coibir abusos, presente no regulamento das corporações e em recomendações internacionais. Outra irregularidade apontada pela entidade foi o uso “indiscriminado” de armas menos letais, como balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo.
Para ONG, as polícias militares deveriam seguir cinco princípios da Organizações das Nações Unidas (ONU) nos protestos: legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência. Mas isso não foi cumprido.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos ressalta que “policiais não podem prender manifestantes quando os mesmos estão agindo pacífica e legalmente e que mera desordem não é suficiente para justificar detenções”. Ao contrário, a ONG denuncia que as chamadas “prisões por averiguação”, prática extinta desde a ditadura militar.
A diretoria-executiva da Artigo 19, Paula Martins, entende que esses abusos remetem a um período que o Brasil quer esquecer, os anos de chumbo e repressão vindos desde o golpe de 1964. “Apesar de vivermos em uma democracia, nossa polícia parece funcionar com a mentalidade da época da ditadura”, disse ela.
Repressão na Copa
O relatório aponta medidas que tentam estabelecer mais censura às manifestações de rua, inclusive durante a Copa do Mundo, prestes a começar. Existem 21 projetos de lei no Congresso e nos estados para tratar do tema, sendo cinco criando tipos penais para,segundo a ONG, criminalizar os protestos, 13 para proibir o uso de máscaras.
Dois projetos simplesmente proíbem o uso de armas de “baixa letalidade”: ou seja, a polícia será obrigada a usar pistolas e e balas para assegurar a paz e eventualmente conter os manifestantes. No Senado, o PL 508/13 aumenta o tempo de cadeia para a lesão corporal cometida em protestos e cria o crime de “dano em manifestações públicas”, com pena de 2 a 5 anos de reclusão. “Se aprovado, aumentaria em 24 vezes a pena para o mesmo crime [dano]”, diz comunicado da ONG.
Além disso, a polêmica Lei Geral da Copa – que, durante o Mundial de 2014, revoga direitos e deveres do Estatuto do Torcedor e, na opinião de alguns juristas, do Código do Consumidor – pode ser usada contra os manifestantes. “A Lei Geral da Copa proíbe manifestações ao redor dos estádios que não sejam consideradas ‘festivas e amigáveis’, abrindo espaço para que alguns protestos sejam considerados ilegais dependendo de sua natureza, sem sequer deixar claro quem seria responsável por tal análise ou quais seriam os critérios para tal classificação”, afirma Martins, da Artigo 19.
Hoje, a ONG lança também o site “Protestos no Brasil 2013” com os principais resultados do estudo de mesmo nome. Para conhecê-lo, clique em www.artigo19.org/protestos. O site tem infográficos, análises de leis, estatísticas e depoimentos de vítimas de violência e especialistas.
› FONTE: Congresso em Foco