Estudos do Ministério da Saúde da década passada indicam que de 1 milhão de queimados por ano no Brasil, pelo menos 150 mil são vítimas de acidentes com álcool líquido. Nesta conta, cerca de 50 mil crianças se queimam com o líquido altamente inflamável.
O dado fez com que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária editasse em março de 2002 a Resolução Nº 46, proibindo a venda do produto em alta graduação, ou seja, acima de 54° GL (graus Gay Lussac). A medida foi tomada com o principal objetivo de reduzir os acidentes.
Porém, a Associação Brasileira dos Produtores e Envasadores de Álcool (Abraspea) entrou na Justiça e ganhou uma autorização para que os produtores continuassem a vender o produto em julho do mesmo ano. Em 2012, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu pela validade da norma da Anvisa e publicou o seu Acórdão no dia 1º de agosto, com aplicação imediata.
A partir desta decisão, a Anvisa concedeu um prazo de 180 dias para a adequação do setor produtivo. Esse prazo terminou no dia 28 de janeiro de 2013 quando a comercialização do álcool doméstico (graduação acima de 54° GL) passou a ser proibida.
Apesar disso, ainda é fácil encontrar garrafas de álcool principalmente em pequenos comércios no interior. Uma funcionária da Abraspea confirmou à reportagem da Agência AL que muitos produtores simplesmente ignoram a proibição da Anvisa. “Eles correm o risco”, disse a mulher.
O advogado Ari Alcântara defende a entidade e afirma que a Anvisa criou um mercado paralelo de comércio de líquidos inflamáveis. “Após a resolução (da Anvisa), o número de queimaduras não reduziu. As pessoas continuam tendo acesso a combustíveis inflamáveis. Em vez ter a comercialização de um produto seguro, a norma produziu um mercado paralelo, tirando um produto certificado do mercado”, alega o advogado da Abraspea, que recorreu ao Supremo Tribunal Federal com a expectativa de derrubar a norma da Anvisa.
Quem brinca com o fogo...
Os dados da Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ) são convalidados na Ala de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG), em Florianópolis. As histórias são dolorosas e corroboram as estatísticas. Pais, mães e filhos ficam inertes à nova situação de suas vidas e às consequências de um tratamento longo e doloroso.
Por isso, o HIJG oferece um serviço de acompanhamento psicológico aos pacientes e seus responsáveis. O psicólogo Herickson Pereira explica que os pais têm um grande sentimento de culpa e precisam ser preparados para enfrentar o longo tratamento dos filhos. “Alguns não querem que seus filhos passem por cirurgias, inclusive. É o efeito da proteção”, observa.
Após uma primeira avaliação, o atendimento é diário. Depois, as consultas são mais espaçadas e os pacientes são encaminhados aos serviços de psicologia dos municípios assim que recebem alta hospitalar.
A dona de casa Mari Petry lembra perfeitamente do dia em que teve grande parte do corpo queimado, aos dois anos de idade. “A mãe pediu para meus irmãos não deixarem o braseiro apagar. Tínhamos engenho de farinha e melado (de cana-de-açúcar). Estávamos brincamos e o fogo apagou. Minha irmã alcançou o litro de gasolina e jogou no braseiro. Fiquei assistindo à cena. Com as labaredas, ela deixou a garrafa cair e o fogo veio em mim. A sorte que meu irmão maior chegou e me tirou por cima do fogão à lenha”, lembra Mari, que casou e construiu sua casa próximo ao local do acidente, no município de Antônio Carlos, na Grande Florianópolis.
“Não escondo minhas cicatrizes (que alcançam todo o lado direito do corpo, perna, dorso e peito, chegando ao queixo). Quando alguma criança pergunta sobre as marcas eu digo: fui brincar com fogo e olha o que aconteceu. Você não pode brincar com o fogo”, orienta.
Campanhas alertam contra queimaduras
A cada ano, diversas campanhas no país versam sobre os riscos, conseqüências e prevenção das queimaduras. No dia 6 de junho, Dia Nacional de Luta contra Queimaduras (Lei Federal nº 12.026/2009), os alertas ganham mais força.
No ano passado, em Santa Catarina, foi lançada uma edição especial do Gibi da Turma da Mônica - iniciativa é da Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ), com a parceria do Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG), de Florianópolis, e da Maurício de Sousa Produções. Em quatro histórias educativas, Mônica, Cebolinha e seus amigos alertam sobre as conseqüências das brincadeiras com fogo. O material é distribuído no HIJG e na Rede de Ensino do Estado.
Apesar dos alertas constantes e das campanhas, os acidentes continuam a vitimar principalmente o futuro de milhares de crianças. Por isso, vale lembrar a principal recomendação dos especialistas: pais e responsáveis devem manter os pequenos longe da cozinha e longe de líquidos inflamáveis.
› FONTE: ALESC