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Hino Nacional Brasileiro

Publicado em 19/09/2020 Editoria: Geral Comente!


HINO NACIONAL BRASILEIRO[1]

Música de Francisco Manuel da Silva (1795-1865)

              Letra de Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927)

 

Nosso hino é quase desconhecido da grande maioria dos brasileiros. Por isso, no meu livro Aspectos Práticos de Redação e Revisão, no assunto dificuldades da língua portuguesa, resolvi incluir um serviço à Pátria: interpretar a poesia do hino, trocá-la em miúdos para que mais compatriotas nossos o conheçam realmente e saibam o que significam aquelas palavras esquisitas que nunca professora alguma nos ensinou na escola. No colégio São José, nas décadas de 1950 e 1960 um dos mais rigorosos do estado, cheguei a fazer análise sintática da primeira estrofe e estudei o hino em latim. Nunca consegui decorar além de Audiverunt Ipirangae ripae placidae, o verso inicial. Mas as Irmãs da Imaculada Conceição, nossas professoras, bem que tentaram.  Sinceridade? De espírito sumamente prático, nunca me convenci da utilidade de saber o nosso hino em latim. A Ave Maria em latim e em francês aprendi e sei até hoje. Porque sempre gostei de línguas e estudava todas com prazer. Mas latim não é para amadores. E também não é para falar. Gosto do latim por causa da etimologia: há muitas palavras de origem latina nas 5 línguas que aprendi e nas quais consigo comunicar-me. Como veem, eu não era muito rebelde. Só um pouquinho...

 

Um fato que poderia haver-me traumatizado com esse hino: já com 16 ou 17 anos, no curso normal, fui flagrada pela Irmã Maria da Glória enrolando na cantoria do hino, em aula de música, porque não sabia a letra de cor. Mais ou menos como fazem nossos jogadores de futebol em jogos internacionais. Castigo: enquanto eu não soubesse cantar o hino completo, ficaria fora das aulas de música. Estaria suspensa. E as faltas sendo computadas. Decorei e, duas ou três semanas depois, fiz um acordo com a freira: sentar-me na última carteira enquanto a aula continuava com as outras alunas e escrever o hino, sem cantar, porque o castigo fora porque eu não sabia a letra. Se eu tivesse de cantar, nunca teria concluído o curso, porque não sei cantar nem parabéns a você. Mas consegui escrever toda a letra certinha e na aula seguinte voltei para a sala com as colegas. Ufa!

 

Aí vai toda a letra do hino. Depois comentarei cada estrofe, dando a forma original seguida do comentário.

 

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas

De um povo heroico o brado retumbante

E o sol da liberdade em raios fúlgidos

Brilhou no céu da Pátria nesse instante.

 

Se o penhor dessa igualdade

Conseguimos conquistar com braço forte

Em teu seio, ó liberdade,

Desafia o nosso peito a própria morte!

 

Ó Pátria amada,

Idolatrada

Salve! Salve!

 

Brasil, um raio intenso, um raio vívido

De amor e de esperança à terra desce

Se em teu formoso céu, risonho e límpido

A imagem do Cruzeiro resplandece.

 

 Gigante pela própria natureza

És belo, és forte, impávido colosso

E o teu futuro espelha essa grandeza

 

Terra adorada

Entre outras mil

És tu Brasil

Ó Pátria amada!

 

Dos filhos deste solo és mãe gentil

Pátria amada, Brasil!

 

Deitado eternamente em berço esplêndido

Ao som do mar e à luz do céu profundo

Fulguras ó Brasil, florão da América

Iluminado ao Sol do Novo Mundo.

 

Do que a terra mais garrida

Teus risonhos, lindos “campos têm mais flores”

Nossos “bosques têm mais vida

Nossa vida em teu seio mais amores.”

 

Ó Pátria amada, idolatrada

Salve, salve!

 

Brasil, de amor eterno seja símbolo

O lábaro que ostentas estrelado

E diga o verde-louro dessa flâmula

Paz no futuro e glória no passado.

 

Mas se ergues da justiça a clava forte

Verás que um filho teu não foge à luta

Nem teme quem te adora a própria morte

Terra adorada

Entre outras mil

és tu Brasil

Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo

És mãe gentil

Pátria amada Brasil!

 

Para entender o que diz a letra do nosso hino, deve-se primeiro passar a poesia para forma de prosa, pois por exigência de rima e ritmo, os poetas abusam da ordem inversa e de palavras incomuns, o que dificulta muito o entendimento da mensagem. Ao passar para prosa, já vou substituir as palavras difíceis por outras mais conhecidas. Vejamos, estrofe por estrofe:

 

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas

De um povo heroico o brado retumbante

E o sol da liberdade em raios fúlgidos

Brilhou no céu da Pátria nesse instante.

 

As margens calmas do riacho Ipiranga ouviram o grito forte e vibrante de um povo heroico e nesse instante o sol da liberdade brilhou no céu do Brasil. As margens, espaço geográfico, não têm ouvidos, mas o poeta usa esse recurso para dizer que quem estava naquele local presenciou o acontecimento. A Pátria estava livre da dominação portuguesa! O autor faz referência ao grito – Independência ou Morte! – de D. Pedro I, ao retirar as cores de Portugal do seu chapéu, simbolizando a ruptura daquele jugo e proclamar a nossa independência em 7 de setembro de 1822, nas margens desse riacho.

 

Se o penhor dessa igualdade

Conseguimos conquistar com braço forte

Em teu seio, ó liberdade,

Desafia o nosso peito a própria morte!

 

O penhor dessa igualdade significa a garantia dessa igualdade. Se com a força do seu braço o brasileiro conseguiu conquistar a igualdade com Portugal, deixando de ser dominado por aquele reino, o autor conclama o povo a defender essa liberdade com a própria vida (em teu seio, ó liberdade, desafia o nosso peito a própria morte).

 

Ó Patria amada,

Idolatrada

Salve! Salve!

 

Esse refrão é uma louvação à Pátria.

 

Brasil, um raio intenso, um raio vívido

De amor e de esperança à terra desce

Se em teu formoso céu, risonho e límpido

A imagem do Cruzeiro resplandece.

 

Quando a imagem do Cruzeiro do Sul brilha no céu claro (num céu risonho e límpido), um sonho intenso de amor e de esperança desce à terra brasileira

em forma de raio de luz emanado dessa constelação. 

 

Gigante pela própria natureza

És belo, és forte, impávido colosso

E o teu futuro espelha essa grandeza

Terra adorada!

Entre outras mil

És tu Brasil

Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo é mãe gentil

Pátria amada, Brasil!

Gigante pela própria natureza, pois o Brasil já nasceu grande, não precisou guerrear contra seus vizinhos para aumentar seu território. Com a expressão impávido colosso o autor diz que, além de grande, o Brasil não tem medo de nada nem de ninguém. É corajoso. Destemido. E o seu futuro projeta essa grandeza. És mãe gentil dos filhos deste solo, Pátria amada, Brasil!

 

Deitado eternamente em berço esplêndido

Ao som do mar e à luz do céu profundo

Fulguras ó Brasil, florão da América

Iluminado ao Sol do Novo Mundo.

 

Deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo. O autor refere que nosso país é pacífico; berço esplêndido é berço de ouro, símbolo de riqueza. Um mar imenso e lindo, navegável, ao longo de toda a costa do país. Um mar pacífico, murmurante (ao som do mar) para embalar o gigante deitado, adormecido. Ao som do mar e à luz do céu profundo transmite ideia de beleza, serenidade, paz e tranquilidade. Paisagens bonitas. Nosso país é muito bonito.

Fulguras ó Brasil, florão da América: florão no sentido estrito é peça de ornamento em forma de arco florido usado em abóbadas, na arquitetura; na gráfica, vinheta em forma de flor para decorar início de capítulo; mas aqui o autor usa a palavra no sentido figurado: brilhas intensamente, ó Brasil, adornando a América. Iluminado ao céu do Novo Mundo: o Velho Mundo é a Europa; o Novo Mundo é a América. Para não repetir o nome do continente americano e por questão de rima e ritmo, o autor diz que o Brasil brilha iluminado ao sol do Novo Mundo.

 

Do que a terra mais garrida

Teus risonhos, lindos “campos têm mais flores”

Nossos bosques têm mais vida

Nossa vida “em teu seio mais amores”

 

Ó Pátria amada, idolatrada

Salve, salve!

 

Teus risonhos, lindos campos têm mais flores do que a terra mais alegre, mais elegante, mais garbosa (garrida[2]), e em teu solo nossa vida é mais amorosa.

 

Brasil, de amor eterno seja símbolo

O lábaro que ostentas estrelado

E diga o verde-louro dessa flâmula

Paz no futuro e glória no passado.

 

 

Traduzindo: Brasil, que tua bandeira cheia de estrelas (lábaro estrelado) seja símbolo de amor eterno; e que o seu verde-amarelo (verde-louro dessa flâmula) signifique paz no futuro e glória no passado. Lábaro e flâmula significam bandeira. O poeta usou os dois sinônimos numa só estrofe. E o fez muito bem, com muita elegância e beleza.

 

Mas se ergues da justiça a clava forte

Verás que um filho teu não foge à luta

Nem teme quem te adora a própria morte

Terra adorada

Entre outras mil

és tu Brasil

Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo

És mãe gentil

Pátria amada Brasil!

 

 Mas se ergues da justiça a clava forte: clava é arma primitiva que consiste num pedaço de pau com uma extremidade mais grossa para luta corpo a corpo; é o tacape, arma cerimonial usada pelos indígenas. Aqui o autor inicia a estrofe com a conjunção adversativa mas para introduzir uma ideia contrária à da estrofe anterior: apesar de ser um povo pacífico, se for necessário lutar, a Pátria poderá contar com os brasileiros para defendê-la: verás que um filho teu não foge à luta e quem a adora, não teme lutar até morrer para defender a terra adorada, a mais bonita do mundo: nem teme quem te adora a própria morte, terra adorada. E termina com o belo refrão, reafirmando os louvores à terra natal: entre outras mil, és tu Brasil, ó Pátria amada/dos filhos deste solo é mãe gentil/Pátria amada, Brasil!

 

 

 


[1] Curiosidades sobre nosso hino: 1. Na sua letra há um enxerto que seria plágio se não estivesse entre aspas. Estes dois versos: Nossos bosques têm mais vida/ nossa vida em teu seio mais amores foram retirados da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias (1823-1864), que começa assim: Minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá/ as aves que aqui gorjeiam/ não gorjeiam como lá.

2. Cantado pela primeira vez em 13 de maio de 1831, nosso hino não teve letra oficial e definitiva durante quase 80 anos: somente em 1910, por concurso público instituído pelo Congresso Nacional, com prêmio de cinco contos de réis, foi aceita a letra de Joaquim Osório Duque Estrada, escrita em 1909 e oficializada em 1922.

 

 

[2] Garrida aqui é adjetivo de dois gêneros: terra garrida, povo garrido. Como substantivo tem outros sentidos: a) sino de convento que anuncia o começo e o fim das orações; b) peça de ferro que sustenta o eixo do carro de bois; c) coleira com chocalho que se coloca no pescoço dos bois.

 

 Lia Leal

› FONTE: Floripa News (www.floripanews.com.br)

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