Redigir pode ser um ato criativo ou tarefa meramente repetitiva e sem graça. Geralmente estudantes malsucedidos em provas alegam que deu branco, que o tema era muito absurdo, que faltou inspiração. Redigir exige treino, exercício, criatividade, bom vocabulário e cultura geral. E, sobretudo, o redator deve saber pensar, concatenar ideias e, principalmente, saber o que pretende comunicar e conhecer algo a respeito do assunto.
Para escrever sobre algum tema, inicialmente você deve relacionar em poucas palavras o que pretende comunicar. Essa concentração no assunto já será suficiente para que o cérebro dê a partida e comece a coletar tudo que se lhe relacione para desenvolvê-lo. Pode parecer coincidência. Não é. O cérebro tem uma capacidade ainda não muito bem explicada. Já vivi muitas experiências que comprovam isso. De repente, um assunto que eu precisava desenvolver aparece ali, numa revista científica, no consultório de um médico. O fato que darei como exemplo aconteceu no início da década de 90, quando a internet não era tão presente em nossas vidas e as consultas eram feitas basicamente em livros.
Na época eu dava cursos de motivação pessoal, relacionamento interpessoal, chefia e liderança, e essas matérias relacionadas com autoconhecimento eram vistas com certa desconfiança por alguns que as colocavam no rol da banalizada autoajuda. Tive um grande desejo de encontrar essas matérias, principalmente motivação, num livro técnico, de psicologia. Cheguei a buscar em algumas livrarias, sem sucesso. Até que um dia, atendendo um cliente, fui levada a uma sala de reprografia da empresa onde achei, sobre uma mesa, um livro sem capa, não lembro nome de autor, de nada, só sei que se tratava de psicologia empresarial[1]. Abri-o displicentemente no capítulo, pasmem! MOTIVAÇÃO. Como já estava diante da máquina de xerox, copiei todo o capítulo, estudei, preparei minha aula e devo ter anotado nas páginas xerocadas todas as informações sobre a obra, que deve jazer ainda entre meus milhões de textos guardados, encaixotados, talvez meio roídos pelas traças.
A explicação está no foco. Quem quiser fazer alguma coisa, alcançar algum objetivo, deve primeiramente voltar seu foco para esse objetivo. Quanto mais claro e real for esse objetivo, mais facilmente será alcançado. E tudo na vida é assim: traçar o rumo e começar a direcionar as velas pra colher o vento, pois para barco sem rumo não há vento favorável.
A concentração no momento presente, naquilo que se faz, é imprescindível para um trabalho bem feito. Está comprovado que a maioria de acidentes de trabalho, por exemplo, e de serviços mal feitos, reprovados no controle de qualidade ou que exigem retrabalho, devem-se à preocupação do funcionário com problemas alheios ao que está fazendo. Por isso, não acredito que um aluno de qualquer nível ou mesmo um profissional da comunicação crie um texto ou estude um assunto com total rendimento ouvindo música em alto volume, cantada, batucada, agredindo-lhe os tímpanos. Como poderá o cérebro concentrar-se com todos esses ruídos espúrios? Antes de escrever, as ideias chegam à consciência em forma de imagens, e todas essas informações também geram imagens que vão perturbar a concentração e desviar o foco do trabalho.
Se o redator tiver tempo, deverá dormir uma noite entre essa primeira fase e começar a escrever. Quando não der, paciência. Concentre-se e trate de fazer a redação no tempo estabelecido. De preferência com folga para rever a primeira versão e passá-la a limpo já melhorada.
Mas voltemos à redação com mais tempo. Durante o sono, já alertado para aquela tarefa criativa, o cérebro encarregará o subconsciente de desenvolver o assunto, enquanto o consciente dorme. E enquanto o corpo relaxa e se desliga do mundo real que o rodeia e o distrai, que o preocupa, que o incomoda, com ruídos e problemas de toda sorte, o subconsciente capta nas profundezas do seu arquivo de memórias tudo o que foi lido, vivenciado e ouvido com relação ao tema. Se não tiver uma noite inteira para isso, poderá fazer uma pausa e relaxar, dando conscientemente a ordem para que o subconsciente trabalhe no tema. Se durante o sono você despertar com uma ideia, ou tiver um sonho, já tenha papel e caneta na cabeceira para anotar. Não confie na sua memória, porque a minha é excelente e já me traiu muitas vezes, em se tratando de lembrar sonhos.
Faça a experiência e comprove! Você despertará cheio de assunto e com o texto praticamente montado na cabeça. É só sentar-se ao computador e começar. Escreva primeiro um rascunho, como as ideias chegam, sem grandes preocupações com correção gramatical. Depois releia, cortando repetições, reordenando frases, períodos, concatenando ideias. O processo criativo é lento e demorado. Mas vale a pena seguir essas fases, porque o resultado é compensador.
Em trabalho sobre criatividade em aulas de composição musical para crianças que revisei, entre outras teorias, descobri uma segundo a qual o processo criativo segue quatro fases que se assemelham ao que proponho na criação de texto: preparação, incubação, iluminação e verificação. Nessa ordem, mas pode haver retorno a uma fase anterior, dependendo da pessoa e dos estímulos externos que recebe. Ou da evolução do trabalho. Adaptando essas fases da criação musical para a redação, pode-se explicá-las assim:
- a fase da preparação é a da coleta de informações e análise preliminar, quando se levanta e expõe o problema; no caso, o tema da redação;
- na fase da incubação, como expliquei acima, mesmo que o redator não esteja concentrado no assunto, seu cérebro continua trabalhando nele inconsciente ou subconscientemente;
- a iluminação ocorre quando, após gestada na fase anterior, uma ideia se torna consciente;
- depois dessa fase, concluindo o processo criativo, segue-se a verificação, quando a ideia é mais bem analisada, avaliada ou desenvolvida com mais apuro. Na criação de texto, o redator vai conferir dúvidas gramaticais, concordância, propriedade de termos, enfim, vai dar um acabamento melhor ao texto para torná-lo coerente, impecável, elegante, sonoro, melódico. E, convém repetir, acima de tudo para que resulte claro, preciso, conciso e objetivo.
No verbete redação de seu Dicionário de Questões Vernáculas, o professor Napoleão Mendes de Almeida transcreve a palestra que proferiu no Teatro José de Alencar, Fortaleza, em 27.05.1978 sobre o tema, em doze páginas. Vale a pena ler! Consta da palestra um quadro sinóptico que apresento a seguir, desenvolvido e adaptado.
O professor divide a redação em duas grandes partes: idioma e assunto. O idioma é o meio através do qual se comunicam as ideias, processo que exige: vocabulário, encontrado em bons dicionários, como os três que já citei aqui. O professor cita dicionário analógico e com regência, mas eu não resisto à tentação de comprar qualquer dicionário que encontre, em livraria, feira ou sebo. Tenho-os em profusão: dicionário de rimas, de citações, de ecologia e ciências ambientais, de mitologia de várias culturas, de antônimos, de sinônimos, de coletivos, de novos termos de ciências e tecnologia, dicionário técnico em quatro línguas: alemão, português, inglês e francês, vocabulário jurídico, dicionário de brocardos latinos. Até um dicionário de surfe, em inglês, eu trouxe do Hawaii, o Surfnary, que já me serviu para escrever uma reportagem sobre a história do surfe, publicada no jornalzinho local Noticiondas, em 1994. Essa minha compulsão por dicionários se funda num pensamento oriental sobre conhecimento: há coisas que você sabe e há coisas que você sabe onde encontrar. E qual o lugar mais indicado para procurar algo sobre o qual se deseja aprofundar um conhecimento superficial? Nos dicionários e nas enciclopédias, claro! Agora temos o Google e similares, na internet. Mas ainda prefiro os livros.
Na mesma chave do idioma está a gramática, que contempla flexão (substantivo e verbo); função (advérbio, preposição e conjunção); processos sintáticos (concordância, regência, colocação); e depois a pontuação. E finaliza com a leitura, indispensável para enriquecer o vocabulário.
Na chave do assunto, vem a criação (de acordo com o gênero – prosa ou poesia) e o desenvolvimento da imaginação, em que entra um fator muito importante: a experiência de vida.
A prosa contempla: carta (familiar, cortesia, comercial, oficial); descrição (cenário); narração (contos); dissertação ou tese (costumes, religião, política, ciência, didática); romance; teatro (tragédia, comédia, drama).A poesia pode ser de natureza épica, bucólica e lírica.
Lia Leal
[1] Consultada sobre o termo exato, minha amiga Andreia Tostes, doutora em psicologia e casada com reconhecido especialista na área, Dr. José Carlos Zanelli, de quem é assistente, informou-me que esse ramo da psicologia hoje se chama psicologia organizacional e do trabalho – POT. Eis a explicação dela: a psicologia organizacional e do trabalho é uma área de atuação da psicologia voltada para o trabalho em contextos corporativos. O termo empresarial limita-se apenas ao privado, o que não é o caso, porque ela atua não só em empresas, mas também com as demais modalidades de organizações, como instituições sem fins lucrativos, organizações não governamentais (ONGs) empresas públicas e outras. O foco da POT é a gestão de pessoas nas organizações, buscando alinhar os interesses dos gestores às necessidades de seus colaboradores.
› FONTE: Floripa News (www.floripanews.com.br)