Se por um lado a população feminina é mais suscetível a problemas como mudança climática, por outro lado também pode ser agente de transformação
A população feminina é a mais afetada pelos desastres causados pelas mudanças climáticas em todo o mundo. Dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostram que as mulheres compõem 72% do total de pessoas que estão em condições extremas de pobreza e também das mais vulneráveis a eventos climáticos extremos como secas, inundações e furacões, por exemplo.
Além das mulheres, outra questão que está em risco à medida que a temperatura do planeta aumenta e o clima sofre alterações é a disponibilidade e acesso aos alimentos. Nos países em desenvolvimento, cerca de 45 a 80% do trabalho agrícola é realizado pelo sexo feminino. Em muitas regiões da África esse número sobe para 90%, de acordo com dados da ONU Mulheres, a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres. Nesse contexto, as regiões com maior caráter agrícola experimentam uma insegurança crescente, assim como os produtores que atuam nelas.
No entanto, a solução para reduzir os efeitos das mudanças climáticas pode estar justamente na mão delas – as mulheres. Um artigo publicado em novembro de 2016 pela Aliança Global de Gênero e Clima mostra que, especialmente na América Latina, as mulheres têm um importante papel na conservação da agro biodiversidade e tendem a optar por pequenas hortas com maior variedade de plantas e menor impacto no meio ambiente. Isso acontece por que elas também são responsáveis por preparar os alimentos que produzem e com isso equilibram a qualidade e a quantidade de legumes e verduras que sua família produz e consome. “Lutar pela igualdade de oportunidade e inclusão, é portanto, um assunto que não se resume a discussão de gênero, mas sim de qualidade de vida e desenvolvimento de toda a sociedade”, afirma Rachel Bidermann, presidente da WRI e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.
Mulheres latinas
Apesar de a América Latina apresentar melhores taxas de igualdade entre homens e mulheres em comparação com outras regiões, a disparidade ainda é grande. De acordo com publicação da Aliança Global de Gênero e Clima, enquanto na América do Sul e Central cerca de 25% da terra é de propriedade feminina, na Ásia o número cai para 13% e na África 15%. A população brasileira tem 51,4% de mulheres, mas nas eleições de 2016 somente 12% dos candidatos a cargos para prefeituras eram mulheres, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral.
Assim como no mundo todo, no Brasil, as mulheres exercem importante papel tanto no enfrentamento de problemas ambientais – a exemplo da mudança climática – quanto no desenvolvimento de ações que contribuam para a conservação da natureza e, consequentemente, para a qualidade da vida humana. Embora a equidade de gênero ainda seja um desafio na ciência brasileira, o país tem excelentes exemplos de lideranças femininas que protagonizam avanços importantes em relação à proteção ambiental.
O trabalho com primatas realizado pela mineira Maria Cecília Martins Kierulff, ilustra a questão da atuação feminina em prol da conservação da natureza. Sua carreira científica sempre foi permeada por projetos “mão na massa”, como ela mesma descreve. “Ao entrar na mata para identificar as espécies, muitas vezes os homens da comunidade local não me davam ouvidos, mas as mulheres me recebiam em suas casas e me davam informações importantes para a pesquisa”, conta. Por outras vezes, ela podia andar livremente, pois não chamava a atenção da mesma forma que um homem faria. “Ser mulher atualmente significa ter pique para enfrentar questionamentos e julgamentos que os homens não enfrentam quando a gente decide fazer o que gosta”, afirma Cecília.
A bióloga Gisele Sessegolo exerceu sua profissão desde muito cedo em ambientes predominantemente ocupados por homens. Por trabalhar no setor de indústria e mineração, em uma época em que a temática sustentabilidade e conservação da natureza não eram muito abordados, via mais dificuldade para se destacar no seu trabalho. “Pelo fato de ser mulher, eu sentia que tinha que estudar muito mais, ter mais experiência e dedicação, além de mostrar mais competência do que um homem precisaria ter, para conquistar espaço e clientes”, destaca ela.
Atualmente, Gisele percebe uma grande diferença nesse cenário, já que muitas empresas estão preferindo mulheres para trabalhos manuais, como dirigir caminhões e tratores, pelo fato de serem mais cuidadosas, perceptivas e detalhistas. “É possível ver um avanço nesse mercado de trabalho, que está ficando mais igualitário, porque estão reconhecendo muito mais a capacidade da mulher” afirma.
A maior demanda do mercado de trabalho por mulheres também é observada pela a presidente do Instituto Arara Azul e membro da RECN, Neiva Guedes. Ela e sua equipe trabalham diretamente com a conservação da arara azul, espécie ameaçada de extinção, e também da biodiversidade do Pantanal como um todo.
Na opinião da bióloga, mulheres estão dominando a área de pesquisa. “Minha equipe é, em sua maioria, composta por mulheres. Vejo que são determinadas, procuram fazer a diferença, são batalhadoras e isso é uma crescente que observo ao longo dos anos. No entanto, também precisamos tomar mais cuidado no trabalho de campo”, explica.
Ela perdeu duas gestações por estar trabalhando no campo e suscetível a doenças e por isso orienta que as mulheres da sua equipe que engravidam permaneçam somente no escritório. “É uma questão de saúde tanto da mãe como do bebê. Homens não têm esse tipo de restrição, mas também não podem dar à luz”, comenta Neiva.
Para a fundadora e diretora executiva do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação ambiental, Silvia Ziller, muitas melhorias já foram feitas, mas ainda há muito a fazer. “Nossa geração de mulheres já usufrui de avanços ocorridos em décadas recentes.
Minha mãe, por exemplo, trabalhava em um banco e tinha um salário inferior aos colegas homens por ser mulher. Em minha turma de graduação em Engenharia Florestal havia quatro mulheres em uma turma de 30 alunos”, conta. Segundo ela,
Silvia defende a importância de haver legislação que assegure a igualdade de gênero e diz que a educação e os valores precisam ser focados em pessoas, independente de gênero, cor da pele e outros critérios discriminatórios que a sociedade ainda precisa superar.
Todas são unanimes em uma questão. Mais do que uma questão de gênero entre homens e mulheres, somos todos seres humanos e devemos cuidar do planeta em que vivemos, de maneira igualitária.
Intergovernmental Panel on Climate Change
› FONTE: Central Press