Empreiteira fazia pagamentos a senadores e deputados que defendessem suas emendas, interesses e projetos de lei
Quanto custa para que o Congresso apoie uma lei ou Medida Provisória que atenda aos interesses de uma empresa? Após a delação de Claudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, é possível ter uma boa noção. De acordo com os termos da colaboração de Melo com a Operação Lava Jato, a empreiteira desembolsava entre 50.000 reais e 7 milhões para obter o apoio de congressistas a projetos que a beneficiavam. Ele relata, nas 82 páginas de seu depoimento, oito casos em que a Odebrecht pagou – principalmente senadores do PMDB – para ver seus interesses contemplados no Legislativo. Na condição de emissário da empreiteira, Melo tinha livre trânsito para levar as demandas de seu grupo privado para senadores e deputados, e posteriormente dar seguimento aos pagamentos.
A relação sinuosa entre o executivo e os parlamentares sempre teve um jogo de palavras em que o “toma lá dá cá” era subentendido. Mas, a empresa precisava fazer sua contabilidade para cobrar a fatura por favores feitos. De acordo com Melo, o valor mais alto pago pela empreiteira em troca de apoio no Congresso foram 7 milhões de reais, destinados ao senador Romero Jucá (PMDB-RR) em 2013. “Durante o trâmite da MP 613, o senador Romero Jucá, em reunião realizada no seu gabinete, solicitou-me apoio financeiro atrelado à aprovação do texto que interessava à companhia”, afirma o delator. A MP em questão previa descontos na contribuição de impostos para a comercialização de álcool. A Braskem, braço petroquímico da Odebrecht, foi beneficiada pela aprovação do texto da MP, que posteriormente foi transformada em lei. “Levei a demanda a Marcelo Odebrecht [herdeiro da empreiteira] (...) que determinou um teto para a contribuição a ser feita”, disse Melo.
A delação de Melo tem episódios curiosos com relação à compra de leis. Um deles envolve o também delator, e ex-senador petista Delcídio do Amaral. Após atuar conjuntamente com Jucá e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL, atual presidente do Senado) em 2010 para aprovar um Projeto de Resolução que beneficiaria a empreiteira, “Delcídio teria reclamado por não ter recebido muita “atenção” da nossa parte após a aprovação do PRS 72/2010”, afirma Melo. A solução foi um pagamento de 500.000 reais ao petista. A empreiteira já havia desembolsado 4 milhões aos peemedebistas, pagos pelo "decisivo apoio dado". "Esses pagamentos, segundo me foi dito por Romero Jucá, não seriam apenas para ele, mas também, como já havia ocorrido em outras oportunidades, para Renan Calheiros", diz o delator. O projeto em questão estabelece alíquota zero do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços em operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior. A Odebrecht importa grande parte de seu maquinário de empresas estrangeiras.
A Odebrecht também atuou para aprovar a MP 627, de 2013, que previa mudanças no regime de tributação do lucro obtido no exterior por empresas exportadoras. Na condição de companhia transnacional com presença em 26 países, a empreiteira tinha muito a ganhar com um alívio na tributação dos valores auferidos por seus braços em outros países. “Posteriormente à tramitação da medida provisória, recebi pedido do senador Jucá de pagamento em contrapartida à conversão em lei da MP 627. A área de operações estruturadas [o departamento de propina da Odebrecht] realizou o pagamento de 5 milhões de reais”, afirmou o delator. Para essa transação específica, Jucá recebeu nas planilhas da empresa o apelido de “Exportação”.
Até o momento todos os parlamentares citados na reportagem negaram qualquer malfeito nos trâmites de MP e projetos de lei, e negaram o recebimento de propina.
"Amigos da empresa"
Para cair nas graças dos parlamentares não bastava o pagamento em tempos de necessidade da empresa. A “amizade” era cultivada ao longo de todo o ano. O petista Jacques Wagner, por exemplo, foi agraciado em dois aniversários com “mimos” extras: dois relógios importados avaliados em 20.000 dólares (cerca de 60.000 reais) e 4.000 dólares (12.000 reais), das marcas Hublot e Corum. Curiosamente um deles trazia no verso uma imagem do Congresso Nacional.
Outro caso curioso envolve o ex-secretário de Governo de Michel Temer, o peemedebista Geddel Vieira de Lima. Melo afirma que “apesar dos pagamentos frequentes, Geddel sempre me disse que poderíamos ser mais generosos com ele”. A “amizade” é evocada pelo parlamentar para justificar pagamentos mais altos: “Geddel sempre me dizia que se considerava um ‘amigo da empresa’, e que isso precisava ser mais bem refletido financeiramente”.
Existia também a categoria dos “não amigos” da empreiteira. É o caso do senador Romario Faria (PSB-RJ). Após solicitar uma reunião com o parlamentar para apresentar um executivo da Odebrecht, Melo ouviu do colega um não taxativo, uma vez que “na propaganda eleitoral do senador ele havia aparecido na frente de uma placa da Odebrecht falando mal dos estádios construídos por nós”.
Mas as tratativas no Legislativo nem sempre ocorriam de maneira fácil. Melo apresenta ao Ministério Público Federal uma troca de emails que, segundo ele, “dão conta de que [o senador] Euni&769;cio de Oliveira (PMDB-CE) teria obstruído a votação” da MP 627 “no intuito de pleitear vantagens para dar continuidade ao tema”. Marcelo Odebrecht escreve para Melo “Que maluquice! O que ele ganha com isso?”, ao que o delator responde laconicamente: “o de sempre”.
Em outros casos, o custo para ter os interesses atendidos foi menor. O deputado Carlinhos Almeida (PT-SP), recebeu 50.000 reais por apoiar a MP 544, editada em 2011 e que tratava da criação de um regime de incentivos à indústria de defesa. A Odebrecht (ao lado da Federação das Indústrias de São Paulo, ligada ao peemedebista Paulo Skaf) fez lobby para que suas sugestões fossem acatadas por Almeida, que à época era relator da matéria na Câmara. A Odrebecht Defesa e Tecnologia, uma das subsidiárias da empreiteira, se beneficiaria diretamente com a aprovação da MP. Como prêmio pelos serviços prestados o petista recebeu a doação para sua campanha à prefeitura de São José dos Campos – ele conseguiu se eleger com 180.794 votos.
Por vezes, senadores recebiam seu prêmio da Odebrecht mesmo sem conseguir aprovar a matéria de interesse da empreiteira - bastava tentar. É o caso da MP 579, de 2012. A medida buscava ampliar o prazo de fornecimento de energia elétrica subsidiada para empresas no Nordeste. O Executivo vetou a MP, e no Senado faltaram dois votos para derrubar a decisão presidencial, que contrariava o desejo da construtora. “O presente caso deixou com Renan Calheiros um crédito, tendo em vista o forte empenho que dedicou aos nossos interesses”, disse Melo. Esse crédito foi “relembrado por ele a mim quando, em 2014, pediu que a companhia fizesse pagamento financeiro a seu filho a pretexto de contribuição de campanha. O pedido de Renan em favor de seu filho foi acolhido e realizado”. José Renan Vasconcelos Calheiros Filho foi eleito governador de Alagoas com a ajuda de pouco mais de 1 milhão de reais da Odebrecht.
› FONTE: Gil Alessi / El País