Vazamento do primeiro acordo de colaboração atinge coração da gestão peemedebista em momento crucial, da votação da PEC do Teto
Os assessores de um seleto grupo de políticos em Brasília fizeram hora extra neste fim de semana. Na noite de sexta-feira, quando vários deles encerravam seus expedientes, foram obrigados a promover uma espécie de festival informal de envios de notas à imprensa para tentar defender seus chefes das acusações de um dos 77 delatores da empreiteira Odebrecht que fizeram acordos de colaboração premiada com a operação Lava Jato. Em um documento de 82 páginas, Claudio Melo Filho, um ex-vice-presidente da megaempreiteira, citou nominalmente 24 políticos com quem ele tinha relações pessoais, profissionais e até mesmo criminosas. A esperada “delação do fim do mundo” começou com força e já atinge em cheio o governo Michel Temer e a cúpula do PMDB.
No Palácio do Planalto, o clima é de total apreensão. As razões: 1) ainda faltam vir à tona 75 delações dos executivos da Odebrecht, inclusive a de seu ex-presidente Marcelo Odebrecht, que podem implicar bem mais membros do primeiro escalão; 2) pode surgir uma onda de protestos em decorrência da crescente a rejeição da população à gestão Temer, segundo revelou neste fim de semana o Instituto Datafolha seu índice de péssimo/ruim saltou de 31% para 51%, entre julho e dezembro; 3) parte da superbase aliada de Temer no Legislativo rediscute o apoio a ele e; 4) o índice de eleitores que defendem uma renúncia do presidente e a convocação de novas eleições para este ano é semelhante ao que Dilma Rousseff (PT) tinha antes de sofrer impeachment, era 62% e agora é 63%, também conforme o Datafolha.
Quando iniciou seu governo com um pretenso ministério de "notáveis", Temer sabia que corria o risco de perder alguns de seus auxiliares por conta da Lava Jato. Seu núcleo duro, formado por três ministros, começou a ruir no mês passado, com a queda de Geddel Vieira Lima da secretaria de Governo por ter misturado interesses pessoais com públicos. Os dois que restaram agora, Moreira Franco (Secretaria de Privatizações) e Eliseu Padilha (Casa Civil) foram os primeiros a aparecer na delação de Melo Filho. No meio político e no jornalístico de Brasília era consenso de que desde o primeiro mandato de Rousseff ambos eram os porta-vozes informais de Temer. Quem quisesse saber o que o agora presidente pensava, buscava um do dois. O devastador depoimento do ex-executivo da Odebrecht coloca, pela primeira vez, essa informação em um papel oficial.
O presidente da República foi um dos apontados por Melo Filho como o receptor de caixa dois eleitoral. Segundo sua denúncia, foram 10 milhões de reais em doações irregulares para sua campanha de 2014, quando era o candidato a vice na chapa encabeçada por Dilma Rousseff (PT). O receptor direto de ao menos 4 milhões de reais desses recursos foi o advogado José Yunes, um amigo/interlocutor de Temer que atualmente ocupa um cargo de assessor no Palácio do Planalto.
Citado 43 vezes por Melo Filho em seu depoimento, Temer dificilmente será processado pelos supostos crimes apontados pelo ex-executivo. A razão é que, conforme a legislação brasileira, um presidente só pode responder a processos, inclusive ao impeachment, por delitos que tenha cometido no seu atual mandato. E as informações trazidas pelo delator se referem ao ano de 2014. Ainda assim, se as palavras dos delatores tiverem a força de varrer os ministros, dificilmente o Governo terá força política para se manter em pé, segundo dois assessores do Planalto e um deputado governista relataram neste fim de semana ao EL PAÍS.
Uma das principais preocupações é o desembarque do grupo chamado "centrão" da base de Temer na Câmara. Os parlamentares dessa corrente somam cerca de 170 dos 400 deputados governistas. Um eventual rompimento com Temer poderia ajudar a impulsionar um dos dois pedidos de impeachment que já tramitam na Câmara. Um foi apresentado pelo PSOL e outro por entidades vinculados aos também opositores PT, PCdoB e PDT.
Extensão legislativa
O estouro da denúncia de Melo Filho era tudo o que Temer e seus aliados não queriam para essa última semana de trabalho do ano. Para a manhã da próxima terça-feira está prevista a votação do segundo e último turno da proposta de emenda constitucional do Teto de Gastos, a PEC 55. Essa é a medida considerada fundamental pela gestão peemedebista para implementar as reformas impopulares que pretende tocar nos próximos meses. Na quinta-feira, os senadores fizeram sessões extras para cumprir a cota de debate mínimo para PECs e evitar questionamentos judiciais. A tendência é que a PEC do Teto seja aprovada com facilidade, assim como foi em sua primeira votação.
O ex-executivo da Odebrecht também delatou os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Ao todo, sobraram denúncias para sete senadores, dois ex-senadores, cinco deputados federais, seis ex-deputados e três ministros do atual governo: Eliseu Padilha (PMDB-RS), da Casa Civil, Bruno Araújo (PSDB-PE), das Cidades, e Moreira Franco (PMDB-RJ), da secretaria de privatizações. Entre os que um dia estiveram na cúpula do governo petista, os únicos citados pelo delator foram o ex-ministro da Casa Civil Jacques Wagner (PT-BA) e o ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS).
Em tempo. Uma possível síntese das notas enviadas pelos assessores que trabalharam dobrado no fim de semana seria a seguinte: todos os políticos citados negam qualquer irregularidade em suas campanhas eleitorais. Nenhum admite ter recebido caixa dois. Alguns reforçam que nem candidatos foram no último pleito. Todos reafirmam suas inocências. Repelem e/ou repudiam veementemente tudo o que Melo Filho disse. E, por fim, o chamam de mentiroso ou de que tem feito falsas acusações – este último termo é um tom menos duro contra um investigado pela Justiça que um dia teve livre acesso aos gabinetes da cúpula política brasileira.
› FONTE: Afonso Benites, El País