A primeira edição do Congresso Internacional Revitalizando Culturas ocorre até a quinta-feira, 15, na Unisul Pedra Branca. Em paralelo, a universidade também promove a 13ª Semana Cultural Indígena. A abertura dos eventos contou com palestra do pesquisador indiano Murad Ahamad Khan, da Aligarh Muslim University. Ele publicou estudos que relacionam populações indígenas da Ásia e América Central.
O evento reúne alunos de todas as idades do Centro de Formação Tataendy Rupá, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), da Comissão Nhemonguetá, da AIMG de Biguaçu, além de pesquisadores de diferentes esferas do conhecimento. O tema geral do congresso abrange os ‘Povos Originários: Riquezas Sustentáveis?’.
No primeiro dia de Congresso foram abordadas as Realidades Mundiais e Indigenismo. “Falei dos meus estudos comparativos entre os povos indígenas da Ásia e da América Central. Estudei espanhol na Universidade Federal de Nova Deli e fiquei três anos pesquisando no México. Em seguida fui para o Equador e estudei a questão do povo quíchua”, comentou. Ao prestigiar as apresentações de outros pesquisadores ao longo da manhã, ele garantiu que sua próxima pesquisa será com os Guaranis do Brasil. “Quero verficar como funcionam as políticas de estado brasileiras e compará-las com outros países. Percebo um forte movimento nas Universidades, mas ainda há muito a fazer”, avaliou.
De acordo com o PhD indiano, em seu país os povos indígenas estão em boas condições. “Há uma política muito importante para a preservação de seus trabalhos e tradições. Existe essa força em setores do Governo, mas ainda é preciso fazer muito”, afirmou.
A coordenadora do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da UFSC, professora Maria Dorotéia Posso Varela, apresentou dados relacionados às terras indígenas em Santa Catarina, população, língua, família linguística, tronco linguístico. “Mas fundamentalmente sobre a articulação entre educação escolar e superior indígena com a questão dos direitos territoriais, que são constitucionais no nosso país a partir, sobretudo, da constituição federal de 1988”, completou.
O líder kaingang, cacique Mendes, pediu atenção de todos nas ações do Congresso Nacional, tanto a Câmara quanto o Senado. A professora da UFSC corroborou esse apelo. “Nós estamos hoje em uma situação bastante dramática no contexto político. Ele tem toda razão ao dizer que nós temos que prestar atenção nas ações do novo Governo. Hoje existe uma infinidade de Projetos de Lei contrários à questão das terras indígenas”, disse Maria Dorotéia.
Como exemplo, a professora chama atenção para PEC/215, que pretende tirar a função administrativa da demarcação das terras indígenas. “Essa é uma função da Funai e do Ministério da Justiça. Essa PEC pretende passar essa função ao Legislativo e nós sabemos o que isso significa. As populações indígenas no Brasil já se manifestaram contrariamente, a PEC/215 e a várias outras ações do Legislativo. Então de fato o panorama é sinistro”, denunciou Maria Dorotéia Passo Varela.
Os povos originais da África foram apresentados pelo jornalista e professor da Unisul, Pedro Santos. Ele é da Guiné Bissau e tratou das quatro maiores etnias do continente. “Os Sam habitam a África Austral, os Pigmeus no Golfo da Guiné, os Berberes no norte e os bantu se espalharam por todo o continente”, explicou. O professor destacou a migração dos povos africanos muito antes da colonização. “Na Europa mesmo existem pequenos núcleos na parte mediterrânea. Na Ásia você percebe muitos descendentes de negros na Malásia e Singapura, entre outros. Os aborígenes da Oceania tem origem africana comprovada pela antropologia e por testes genéticos”, contextualizou.
Santos também falou do encontro cultual entre europeus e africanos. “A questão da escravatura foi negativa, mas fez com que houvesse a miscigenação entre europeus, negros e índios em toda a América, algo inusitado na história da civilização”, pontuou. Hoje, o motivo das migrações são outros. “Por cultura e oportunidade, como no meu caso, e nos casos que percebemos hoje devido às guerras, como na Somália e Eritreia”, completou.
O índio xokleng-lacan Cabechuim-lo, do Alto Vale, município de José Boiteux, acompanhou um grupo de dança da tribo. “Com essas crianças revitalizamos a cantiga transcrevendo algumas músicas antigas”, relatou.
O professor João Batista Gonçalves é Guarani do Morro dos Cavalos. Ele ministra aulas da sua língua e de português. “A maior dificuldade das crianças alfabetizadas em Guarani é na escrita do português. Depende da família, tem família que só fala português mesmo sendo guarani, aí os filhos também já falam em português e guarani”, comentou.
Também do Morro dos Cavalos, o cacique Marcelo Gonçalves preparou seus alunos para as apresentações na Unisul. “A gente vê que esse evento foi inspirado em nossa luta. É um prazer enorme a gente representar nossa comunidade, mas não só da nossa comunidade, cada um que está na luta sabe o que a gente está representando”, disse referindo-se à demarcação das terras indígenas. Quanto à apresentação, ele disse que foi em agradecimento ao pai sol. “Que cada dia ilumina o nosso espaço de viver e que dá força cada dia para a gente estar sempre lutando e nos se alegramos com a vida”, completou.
A professora Ana Maria Cristina dirige a escola indígena do Morro dos Cavalos. “Esse Congresso foi pensado desde da nossa semana cultural e pensado pelo professor Jaci há muitos anos. A gente conseguiu concretizar, é um sonho nosso, é semente como o Marcelo colocou, e vai trazer um pouquinho da nossa luta, da nossa dificuldade, da demarcação de terra e tudo o que a gente está vivendo. São situações que não são fáceis, mas a gente está na luta para vencer. Nossas turmas são multiseriadas. Então a cada cinco alunos, eu posso abrir uma turma. Tenho alunos de 1º 2º e 3º junto e em Guarani. Temos 4º e 5º junto, além do 6º, 7º, 8º e 9º. Temos também Ensino Médio e o EJA”, explicou.
O professor Jaci Gonçalvez é o organizador do evento. “A humanidade aos poucos vai tirando esses atrasos. O Congresso se escreve nesse momento de reparação de tantos males causados a todos esses povos. Ainda somos 371 milhões de pessoas, componentes de povos originários. Então a gente já perdeu cerca de 8 mil línguas, temos que tirar esse atraso. Nossa geração de velhos como eu e de jovens como os estudantes, estamos aí para passar a limpo essa história. Porque ela não pode ficar desse jeito”, finalizou Jaci.
› FONTE: Gestão de Comunicação Unisul