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Prefeitura de Florianópolis comete equívocos ao contrariar legislação federal em meio à remarcação dos terrenos de marinha

Publicado em 11/04/2016 Editoria: Florianópolis Comente!


A casa em que você mora é sua? Digo, é sua propriedade? Bom, se você a comprou, pagou por ela, logo você é o dono, certo? Errado! Regra válida ao menos para a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), caso ela considere que seu imóvel está em uma área denominada terreno de marinha

Segundo a proposta que assegura os interesses da SPU, a Medida Provisória (MP) nº 691/2015, quem reside nestes locais são meros ocupantes, e não proprietários. Parece brincadeira, mas infelizmente não é!

Este pesadelo assombra quase 30 mil habitantes de Florianópolis. Entre eles, moradores antigos, herdeiros, investidores e imobiliárias que lutam pelo direito à posse de seus bens. Isto porque, ainda que tendo escrituras em seus nomes, eles correm o risco de terem que recomprar a propriedade da União, caso a MP seja aprovada no Senado.

Em meio a esta discussão patrimonial, chama atenção a omissão da prefeitura de Florianópolis, que não se manifestou e descumpriu o prazo de entrega dos dados cadastrais dos novos atingidos, encerrado no final do ano passado. No entanto, a questão central é ainda mais curiosa, já que, estando a remarcação em caráter provisório – ainda não tendo sido homologada –, a administração municipal vem negando viabilidade construtiva, alvarás e expedição do Habite-se, sob argumento de que "os imóveis em terrenos de marinha pertencem à União".

"Este comportamento dúbio, que nega atos administrativos e banco de dados, está conduzindo a situação para um estágio de insegurança e paralisia. A preocupação vale para o setor produtivo, no caso das construtoras e loteadoras, e também ao cidadão em particular, que com muito sacrifício comprou seu terreno e agora não consegue permissão para construir ou entrar no imóvel. Inclusive, o posicionamento da prefeitura pode elevar o número de obras irregulares na cidade", pondera o advogado e geógrafo Eduardo Bastos Moreira Lima, do escritório Thompson Flores Advogados Associados, referência em casos de terrenos de marinha no estado.

O administrador Luiz Gustavo da Silva vendeu a casa em que morava com a família para comprar um terreno no Sul da Ilha. Com os efeitos da transação, foi morar de aluguel no período em que pretendia construir a nova residência. Contudo, a prefeitura já negou dois pedidos de viabilidade, complicando sua situação financeira, já que ele teve que prolongar o contrato de locação. "Para não gastar com alugueis toda a minha reserva destinada à obra, aceitei morar na casa de um amigo. É lamentável e humilhante permanecer indefinidamente aqui tendo terreno e verba para construção. A má vontade da prefeitura me distancia do sonho da casa própria", desabafa Luiz.

É importante considerar que a não concessão de licenças de construção por parte da prefeitura tem relação direta com um equívoco da própria administração municipal. No texto que discorre sobre zoneamento urbano no novo Plano Diretor, o potencial construtivo dos terrenos de marinha foi radicalmente modificado pela definição desacertada de que estes locais são Áreas Non Aedificandi, nas quais não se pode construir. Vamos ao fato: terrenos de marinha são sim áreas edificantes. Não há na legislação federal nenhuma menção que sinalize limitações para sua utilização. Pelo contrário, as normas que regularizam seu uso permitem edificações, desde que mantida a integralidade dos espaços comuns, de segurança e de preservação ambiental, como para qualquer outro tipo de terreno. Como, então, uma lei federal pode ser sobreposta e contrariada por uma determinação municipal de origem inautêntica? Há de se pensar...

Para garantir o direito à residência, o morador deve ingressar com ação administrativa na Justiça, antes que a nova demarcação se torne definitiva. O proprietário deve ficar atento ao prazo legal para apresentar defesa administrativa, em no máximo 60 dias após receber a notificação da SPU. Quem não contestar a decisão estará automaticamente concordando com ela.

DECISÕES JUDICIAIS

Outra incoerência tem tirado o sono dos moradores de terrenos de marinha. Após ter comercializado diversos lotes por meio de transações de venda com financiamento da Caixa Econômica Federal (CEF), a União quer agora reintegrar o domínio destes imóveis, com o argumento de que eles foram enquadrados como terrenos de marinha durante o processo de nova demarcação.

O advogado Eduardo Bastos informa que "no bairro Carianos, por exemplo, foi conquistado parecer positivo do Ministério Público Federal (MPF) para um mandado de segurança enviado à Justiça, que contesta a tentativa de reapropriação feita pela União, com a mais absoluta manifestação favorável do MPF, aguardando apenas decisão final do juiz". O escritório Thompson Flores Advogados Associados possui a documentação, que é pública e comprova muitas destas transações com a CEF, além do relato dos moradores, que não foram informados sobre a possível alienação destes imóveis no ato de compra.

RESUMO DA ÓPERA

Você deve estar se perguntando sobre qual é o real interesse do poder público em manter os terrenos de marinha – considerando que eles não têm mais relação com a proteção territorial, como foi o objetivo original em 1831, e nem mesmo com Áreas de Preservação Ambiental –, certo? A resposta é simples: "engrossar o caixa do tesouro nacional", como mencionado pelo desembargador Cesar Abreu em debate realizado no mês de fevereiro, na Associação dos Magistrados Catarinenses. Ora, mas como é possível alegar isto enfaticamente? A explicação também é fácil: anualmente os moradores destes locais pagam taxas sob o risco de multas, além de laudêmio de 5% do valor total do imóvel nas transições de compra e venda.

Até aqui, compreendido! Entretanto, se os terrenos de marinha existem deste o século XIX, por que a surpresa destes quase 30 mil moradores? Mais uma vez, sejamos diretos: porque o número de terrenos de marinha foi multiplicado em todo o Brasil no mais recente processo de remarcação, finalizado em 2015. Em Florianópolis, este número aumentou quase oito vezes, tendo antes pouco mais de quatro mil propriedades catalogadas. Ainda aproveitando a fala do desembargador, "é necessário conduzir novos estudos, com técnicas mais apuradas, para definir a nova demarcação, pois a União age de forma unilateral nesta questão".

Bom, é exatamente isto o que foi feito! Um estudo de ortofotocartas, encomendado pelo escritório Thompson Flores – como pode ser feito por qualquer cidadão –, contradiz o resultado do mapeamento apresentado pela SPU. Imagens da Ilha de Santa Catarina do período de 1938 a 2001, coletadas no próprio site da prefeitura, foram sobrepostas digitalmente para estabelecer um mosaico da região e, assim, confrontar a conclusão da SPU. Outra análise – oceanográfica e geodésica –, adquirida por moradores da Praia da Daniela, chegou à mesma divergência, o que acentua o embasamento coletivo de que a Secretaria do Patrimônio da União possuiu interesses duvidosos.

Ainda no bairro Daniela, a existência de uma fortificação, detectada por meio da Carta geo-hidrográfica da Ilha e Canal de Santa Catarina – elaborada por H. L. de Niemeyer, em 1830 –, não consta nos estudos da SPU. A consulta de documentos históricos é de extrema relevância, segundo a própria norma que regulamenta o procedimento demarcatório em andamento na Secretaria do Patrimônio da União.

MEDIDA PROVISÓRIA 691/2015

A Medida Provisória nº 691/2015, se admitida no Senado, permite a alienação dos terrenos de marinha e abre a possibilidade de negociação dos imóveis, com base no valor de mercado. Ou seja, o morador poderá ter que recomprar da União o domínio pleno sobre a propriedade.

A MP 691 prevê a criação do Programa de Administração Patrimonial Imobiliária da União (PROAP), que, por meio de seus coordenadores, poderá alienar, reformar, edificar, adquirir, alugar ou vender os imóveis da União. A determinação estipula que o ocupante pode adquirir definitivamente o imóvel, caso recompre o mesmo, com desconto de 25%, e deixe de pagar as taxas anuais de ocupação.

TERRENOS DE MARINHA

Os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens da União, tal como dispõe o inciso VII do artigo 20 da Constituição Federal. São terrenos de marinha locais em profundidade de 33 metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, da posição da Linha do Preamar Médio do ano de 1831, marco referencial. Originalmente, eles faziam parte da estratégia de proteção territorial, numa possível invasão ao nosso litoral. No Brasil, estima-se que pelo menos 15 milhões de pessoas residam em áreas de terrenos de marinha e em seus acrescidos. No entanto, apenas cerca de 40% do litoral brasileiro está demarcado de maneira definitiva. O governo federal pretende concluir as demarcações até o ano de 2020.

A permanência nessas regiões é possível por meio do pagamento de taxas anuais de ocupação, de 2% a 5% (concomitante ao IPTU), e laudêmio de 5% do valor total do imóvel nas transições de compra e venda. Os únicos isentos da cobrança são os moradores com &39;renda familiar&39; de até cinco salários mínimos.

Tramita na Câmara Federal a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 39/2011, que propõe a extinção dos terrenos de marinha e seus acrescidos. O projeto aguarda por votação em plenário, sem data definida para tal.

› FONTE: Janine Mello

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