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"É preciso construir política de educação em direitos humanos", diz secretário

Publicado em 29/01/2016 Editoria: Geral Comente!


Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Rogério Sottili, Secretário Especial dos Direitos Humanos, chama atenção para retrocesso de questões como desarmamento e trabalho escravo

Defensor da política de desarmamento e do combate ao trabalho escravo, o secretário Especial de Direitos Humanos, Rogério Sottili, mostrou-se preocupado com debates no Congresso Nacional que, segundo ele, “colocam em risco” avanços na política de direitos humanos. “Com a fragilização do governo no primeiro ano, houve a rediscussão de vários temas importantes para os direitos humanos. Então, tudo ficou muito nebuloso”, disse Sottili em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

O secretário citou ainda um projeto em parceria com o Ministério da Educação para estimular o respeito às diferenças ainda na escola, como forma de combater a intolerância e o preconceito. "É preciso construir uma política de educação em direitos humanos. Uma política que comece a trabalhar, na escola, novos valores, do respeito à diversidade", afirmou. Segundo ele, a medida deve ser posta em prática ainda este ano.

Sobre o Disque 100, Rogério Sottili, destacou que o módulo dos idosos é um dos que mais registraram aumento de denúncias de violação de direitos humanos, principalmente em relação à negligência ou exploração financeira, econômica. “Não tenho a menor dúvida de que o Disque 100 é hoje um dos instrumentos mais importantes de promoção dos direitos humanos. Na medida em que ele se constitui num canal de recebimento de denúncia, ele passa a ser um canal de proteção”, ressaltou.

Qual é a sua avaliação sobre o debate travado no Senado que quer alterar o conceito de trabalho escravo e qual seria a consequência de uma eventual derrota no Congresso?

Seria um retrocesso inimaginável. Mas, em relação ao trabalho escravo, confesso que sou otimista. O senador Romero Jucá [PMDB-RR, relator do projeto de Lei 432/2013] ouviu o [ator] Wagner Moura, o deputado federal Paulo Pimenta [PT-RS], o senador Paim [PT-RS] e toda a Conatrae [Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo], da qual eu sou presidente. Visitamos o senador Jucá, ele retirou o regime de urgência e disse que só vai pôr em votação depois de amplo debate no Congresso. Se tiver amplo debate no Congresso, acredito que podemos reverter essa ameaça. Mas se ela ocorrer, seria um retrocesso incrível para o Brasil. O país vem acumulando avanços importantes em direitos humanos desde a redemocratização do Brasil. Em relação ao trabalho escravo, o Disque 100 recebeu 209 denúncias em 2014 e 307 em 2015. Teve um aumento de 47%.

Como o senhor vê a rediscussão do Estatuto do Desarmamento no Congresso? O debate é válido ou também é um retrocesso?

Totalmente retrocesso. Esse ano foi sui generis, entende? Com a fragilização do governo no primeiro ano, com o "terceiro turno" promovido pela oposição, por parte da mídia brasileira e especialmente pelo Congresso Nacional, houve a rediscussão de vários temas importantes para os direitos humanos. Então, tudo ficou muito nebuloso. Temos a ameaça da redução da maioridade penal, a ameaça do Estatuto da Família, a ameaça na questão da revogação do Estatuto do Desarmamento e da PEC do Trabalho Escravo. Tem vários debates no Congresso que colocam [esses avanços] em risco. Mas, estar em debate é parte da democracia. Acho estupidez alguém defender o armamento. Armamento é símbolo de morte. Arma mata, não diminui a violência.

Tem surgido na internet várias manifestações de ódio contra mulheres, negros, população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) e nordestinos. A que o senhor atribui isso?

Nosso país tem uma cultura de violência. A violência é naturalizada. Quantos pais batem nos filhos e pensam que estão educando? Tem uma cultura de violência física naturalizada. As pessoas pensam que é natural bater, reprimir. Então, nós precisamos mudar essa cultura de violência. Então, é preciso construir uma política de educação em direitos humanos. Uma política que comece a trabalhar, na escola, novos valores, do respeito à diversidade; sobre como é importante se relacionar com imigrante, que é parte da nossa cultura; sobre como a população LGBT é parte do nosso dia a dia, e que é saudável que as pessoas sejam diferentes.

Como o Estado pode contribuir para mudar essa cultura de ódio?

Desenvolvi um trabalho na prefeitura de São Paulo, um projeto chamado Respeitar é Preciso. Lá, implantamos em 20 escolas. A gente começa a ver o ambiente escolar para muito além do aluno e do professor. Envolve a merendeira, o segurança, o faxineiro, os familiares. Aí começamos um trabalho de formação de professores, sobre valores de direitos humanos. E sabe qual foi o resultado depois de dois anos de projeto em uma escola conhecida como uma das mais violentas do estado, com agressões, pichação? Organizaram um grêmio estudantil, não teve mais nenhuma agressão, a comunidade escolar está trabalhando para deixar a escola mais bonita, os professores estão engajadíssimos. Em dezembro conversei com o ministro [da Educação, Aloizio] Mercadante para tornar esse programa federal. Ele ficou entusiasmadíssimo, pediu para a diretoria dele fazer um estudo para a gente começar a levar esse programa a 200 municípios. Esse projeto tem a parceria do Instituto Vladimir Herzog. A meta é começar a implementar este ano.

Na ocasião da última reforma administrativa, setores da sociedade civil criticaram a fusão dos três ministérios (direitos humanos, mulheres e igualdade racial) temendo o enfraquecimento da luta política nas três áreas. O senhor acha que essa junção enfraqueceu os setores?

Ela pode enfraquecer, mas não vou deixar enfraquecer. E essa é a minha determinação. Recebi uma ligação do chefe de gabinete da presidenta me perguntando se eu aceitava esse desafio de vir para cá em uma condição diferente do que era. Mas a presidenta tinha o compromisso de fazer de tudo para que a agenda dos direitos humanos não diminuísse. Eu vou fazer de tudo para que a agenda dos direitos humanos avance mais ainda, essa é a determinação. Vamos ter que trabalhar com harmonia, e a ministra Nilma [Lino Gomes, ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos] é muito cuidadosa nas relações com as pessoas. Nos reunimos toda semana, a ministra Nilma com todos os secretários especiais, para discutir o ministério. Eu acho que os movimentos sociais reagiram como deveriam reagir, é legítimo. Se eu fosse de movimento social, reagiria da mesma forma. Conquistar os ministérios das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos foi uma luta de décadas. É evidente que qualquer redução deixe as pessoas insatisfeitas.

Qual é o tamanho do Disque 100 na sociedade? O serviço atingiu seu objetivo?

Não tenho a menor dúvida de que o Disque 100 é hoje um dos instrumentos mais importantes de promoção dos direitos humanos. Na medida em que ele se constitui num canal de recebimento de denúncia, ele passa a ser um canal de proteção. E sinaliza para o governo todas as iniciativas de políticas públicas que devem ser adotadas para inibir essa violência. Ao mesmo tempo, sinaliza para a sociedade o que não anda bem. Quando a gente pega os indicadores de 2015 existe um recorte de que a violência no Brasil tem cor, idade, gênero. É um instrumento muito novo, sete anos de vida como Disque 100, mas é um instrumento consolidado, importante e referencial de promoção dos direitos humanos.

O ano de 2014 teve mais denúncias no total, em comparação com 2015, mas as campanhas em 2014 foram mais intensas por causa da Copa do Mundo. Por que não manter a intensidade das campanhas permanentemente para a população conhecer mais o serviço?

Devemos aprimorar cada vez mais o nível de campanha e de divulgação de um instrumento como o Disque Denúncia. Mas o Disque 100 é muito conhecido. É um mecanismo importante. Talvez o que falte trabalhar melhor é sobre como acessar o Disque 100 de forma mais rápida, e isso estamos fazendo, aprimorando. Mesmo que as campanhas possam melhorar, quando tivermos eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas, teremos que fazer campanhas e vai aumentar mais ainda [o número de denúncias pelo serviço]. Estamos fazendo campanha, estamos aproveitando esses eventos para divulgar. Mas todo ano tem um grande evento. Então, todo ano terá uma campanha a mais.

As pessoas têm medo de denunciar? Como enfrentar isso?

Um dos maiores crescimentos de denúncia de violação de direitos humanos se dá no módulo dos idosos. E a denúncia maior é de negligência ou exploração financeira, econômica. E quem faz isso, geralmente, são familiares. E sendo familiar, há uma inibição das pessoas denunciarem o filho, a filha, o genro sobre essa violência que o idoso está sofrendo. Mas as denúncias aumentaram e é bem provável que tenha aumentado, em parte, por pessoas diretamente violentadas. Mas também é verdade que há uma rede na sociedade, o síndico do prédio ou o zelador, por exemplo, atuando em torno dessas pessoas, conscientizando sobre a importância da denúncia. É fundamental para a seriedade do Disque 100 o cuidado que a gente tem no sentido de dar os encaminhamentos e poder ter todos os cuidados possíveis de preservar a pessoa que fez a denúncia.

› FONTE: Agência Brasil

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